To: 'jansymello'
Sent: Thursday, March 13, 2008 8:50 AM
Subject: ENC: A defesa Lujin - imprensa

  

RODAPÉ LITERÁRIO

Nabokov: o real em xeque

Era um estilista, e a impregnação imagética de suas histórias é notável, revivendo objetos, rostos

FÁBIO DE SOUZA ANDRADE
COLUNISTA DA FOLHA

Da abertura ao abandono, as peças movimentadas em "A Defesa Lujin" (1930) são as que obcecaram o escritor Vladimir Nabokov (1899-1977), autor de "Lolita" (1953) e "Fogo Pálido" (1962), por toda obra: a memória e o exílio, a linguagem, tentando criar ordem num mundo caótico e contingente, a arte rompendo as cadeias do hábito e do tempo, a solidão do artista. A equação tem algo de proustiano, mas em formulação própria, de maneira bastante singular.
Professor na Universidade de Cornell, autor de um volume excepcional de "Lições de Literatura Européia", além de tradutor nada desprezível (entre outras obras, verteu para o inglês o "Eugênio Onieguin", de Púchkin), Nabokov não se cansava de educar os críticos pela ironia.
Seu conselho número um -esqueçam o "quê", atentem ao "como"- esconjurava as explicações biográficas e espicaçava a família de explicadores freudianos.
Era um estilista, e a impregnação imagética de suas histórias é notável, revivendo objetos, rostos e atitudes numa profusão de detalhes sensíveis inesperados.
Mas cuidado com o andor nunca é demais. Não fazer de personalidade e biografia chaves explicativas está longe de cair no "tanto-faz-o-quê", na indiferença pelo material narrativo do escritor.
Que Nabokov, caçador de borboletas e enxadrista, menino de saúde frágil, tenha atravessado a juventude num mundo aristocrático e protegido que virou pó de forma bastante dramática, tem grande dose de responsabilidade por seus heróis deslocados no tempo, no mundo social (como o gênio do xadrez e atrofiado emocional, Luzhin), no espaço (como o pateticamente risível, Pnin, intelectual sempre no trem errado), nos limites da moralidade (como o Humbert Humbert, de "Lolita").
Antes de fugir dos nazistas, rumo aos Estados Unidos, Nabokov viveu em Berlim, nos anos 1920 e 30. "A Defesa Lujin" é dessa fase, escrito ainda em russo (depois, como Conrad, adotou o inglês como língua literária).
É a versão americana do romance que serviu de base à nova tradução brasileira, de Jorio Dauster, irreparável, o que não se pode dizer de sua adaptação meia-boca para o cinema, em 2000, com John Turturro, no papel-título, contracenando com Emily Watson.
A história se passa no mesmo círculo berlinense, de emigrados russos, que o autor freqüentou, e encarna uma disputa entre o xadrez jogado como arte, mundo exigente e seqüestrador, mas em que ordem e acaso por vezes se resolvem em padrões e beleza (o jogo como duplo da literatura), e a vida prática no que ela abriga de mais normal, banalidade cruel e assimetria desgovernada.
O palco dessa disputa é a consciência de Lujin, no jogo, talento precoce que desandou, no dia-a-dia, homem solitário e melancólico, corpulento e errante, de torneio em torneio, de hotel em hotel. Devemos ao talento incomum de Nabokov a experiência vicária desse desencontro moderno e trágico: no tabuleiro e na vida, ninguém é só peça impotente, nem somente estrategista privilegiado.


A DEFESA LUJIN
Autor:
Vladimir Nabokov
Tradução: Jorio Dauster
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 42,50 (222 págs.)
Avaliação: ótimo

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