Imagens
Uma das fichas cartonadas
de O Original de LauraA capa da edição
brasileira Chega
às livrarias brasileiras esta semana
O
original de Laura, primeiro livro de Vladimir Nabokov publicado pela
Alfaguara no Brasil. Com isso, a editora pega carona na polêmica criada em torno
da publicação do rascunho de obra que Nabokov desejava queimar.
Antes de
morrer, Nabokov pediu a sua mulher, Vera, e a seu filho único, Dmitri, que
incinerassem as 138 fichas-cartão com o esboço de
O
original de Laura (Alfaguara), livro que não tivera tempo de concluir e
levava para o além pronto na cabeça. Vera decidiu desobedecer o marido e manteve
as fichas no cofre de um banco na Suíça. Talvez pelos mesmos motivos que,
segundo a lenda, impediu o marido de queimar
Lolita (Companhia das Letras).
Após a morte
da mãe, em 1991, Dmitri passou a conviver com o dilema de destruir ou não tais
fichas. Ele próprio tradutor de contos, cartas e romances do pai, já havia
chegado a publicar outros textos inéditos, entre eles "O encantador" - conto
escrito em russo, publicado em 1986, e detestado por Nabokov, que pensava tê-lo
destruído. Em certo momento, chegou a ser aconselhado por Brian Boyd, principal
biógrafo de Nabokov, a destruir as fichas de uma vez por todas. Aguardou o ano
de 2008 para sair de cima do muro e vendeu a editoras de uma dezena de países os
direitos sobre o original de
O
original de Laura (Alfaguara). Desde então, ler ou não o livro ganhou
contornos de dilema ético.
Perfeccionista, o próprio Nabokov sempre foi
claro quanto às suas convicções a respeito de obras incompletas: “Um artista
deve destruir sem dó seus manuscritos após a publicação, para evitar que eles
induzam mediocridades acadêmicas a pensar erroneamente que é possível
destrinchar os mistérios do gênio por meio do estudo de versões abortadas. Na
arte, a intenção e os planos não são nada; só o resultado conta”, escreveu o
autor na tradução que fez da ópera russa Eugene Onegin. [via
Sérgio Rodrigues]
Apesar das condenações ferrenhas por
parte de alguns críticos mais puristas, o editor da Peguin Classic, Alexis
Kirschbaum, responsável pelo tratamento editorial dado às fichas, declarou em
artigo ao jornal inglês The Guardian pensar
que a atitude de Dmitri Nabokov é um reconhecimento do desejo do público em
conhecer Vladimir Nabokov por inteiro e de que o presente deixado por um artista
mediante sua arte pertence nem ao próprio artista, nem à família, mas a todos.
Argumentos pouco convincentes para a revista
New Yorker, que recusou-se
a publicar excertos de
O
original de Laura (Alfaguara). Coube à
Playboy americana,
revista para a qual Nabokov foi colaborador, publicá-los a partir de
dezembro.
No repertório de anedotas literárias mais a mão há uma série de
precedentes sobre o episódio, para o bem e para o mal. A favor, talvez o mais
célebre seja o da epopéia
Eneida, de Virgílio. Desejada frita pelo
autor, por não ter conseguido terminá-la satisfatoriamente até a morte, foi
poupada das chamas pelo Império Romano. Obedecido o pedido póstumo, não teria
chegado a nós o clássico, escrito com a intenção de superar a
Odisséia
de Homero. Mais recente, Franz Kafka é outro caso de desejo post-mortem não
correspondido. Somos todos gratos à Max Brod, amigo e editor de Kafka, por ter
resistido e lançado a obra do escritor tcheco, verdadeiro abalo sísmico na
literatura no início do século XX.
O relançamento de textos obscuros e
inéditos de escritores consagrados e há muito mortos tem sido uma estratégia da
indústria editorial americana para o desastroso ano de 2009,
segundo o jornalista Sérgio Augusto, neste artigo para O
Estado de S. Paulo. Os bons velhinhos trazem vantagens, como a
publicidade gratuita (vide este artigo) e uma bem estabelecida rede de fãs.
Dentre trabalhos obscuros de Mark Twain, Graham Greene, JRR Tolkien e Ernest
Hemingway, todos lançados essa temporada, talvez
O
original de Laura (Alfaguara) seja o mais honesto em qualidade,
pela forma que foi trabalhado o material.
Nos Estados Unidos, o livro
foi lançado no último dia 17 de novembro em um volume de luxo, com fac-símiles
das fichas cartonadas no topo das páginas acompanhadas das transcrições abaixo.
A intenção, segundo Kirschbaun, foi deixar claro não tratar-se do último romance
de Nabokov, mas de fragmentos do trabalho interrompido pela morte do autor que
revelam o processo criativo de um homem muito reservado. Tanto que as fichas da
edição americana de
O original de Laura (Alfaguara) - com correções,
marcas de dedo e manchas de comida - são destacáveis e podem ser embaralhadas ao
bel-prazer do leitor.
A trama gira em torno de um corpulento médico,
Philip Wild, casado com uma lasciva e pequena mulher de passado conturbado,
Flora. Em certo ponto Wild recebe em mãos o original de um livro chamado
Minha Laura, sobre um cabeludo caso amoroso, em que reconhece sua
esposa como a protagonista. Daí em diante passa a divagar sobre uma morte em que
apenas dissolve-se completamente, a começar pelos pés.
Muitos consideram
a publicação de
O original de Laura (Alfaguara) como uma inquietante
exposição do declínio de Nabokov anterior a seu falecimento. No Brasil, o livro
também traz as fotografias das fichas manuscritas ao lado das transcrições. Cabe
agora aos leitores brasileiros pôr todos os fatores na balança antes de decidir
se devem comprar
O original de Laura ou se preferem aguardar para investir
nos outros 12 títulos de Nabokov que a Alfaguara pretende relançar no Brasil,
inclusive coletânea de contos inéditos e romances fora de catálogo. Até então,
Nabokov era
publicado aqui pela Companhia das
Letras.
>Leia um conto inédito de Vladimir
Nabokov publicado na revista Piauí, "Natasha", aqui.tags: literatura original
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